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Wednesday, January 03, 2007

AO INFERNO, JAMES BROWN


Por Zezão Castro

Todo dia, ao lado da minha casa, em Camacã, um ritual sanguinário captava aas atenções de todos na vizinhança: um porco era assassinado com uma facada certeira no coração, emitindo guinchos assombrosos, uinchhhhhhhhgriiiiiiiiiinch... uinchhhhhhhh. Bastava dar 3 da tarde que os vizinhos,donos de um açougue sacrificavam o animal para abastecer seus clientes. Estes gritos nunca abandonaram de todo minha memória auditiva. Pareciam, ao meu ver inalcançáveis à goela humana, até que, anos mais tarde, se reacendem dasprofundas do inconsciente na goela de um negão norte-americano o uloselvagem. Seu nome era James Brown, a quem se atribui ter sido o inventor da música soul quando em 1956 estourou com Please, please, please.

A música negra mundial, aliás, não seria nunca mais a mesma após ele, que espalhou admiradores ao longo dos hemisférios: Prince, Michael Jackson, Slyand The Family Stone, The Who, Fela Kuti, Jackie Wilson, Tim Maia, Gerson King Combo, O Rappa, Sandrá Sá, Black Rio, Ed Motta... Mesmo em Salvador,nos anos 70, negros que deixavam a cabeleira estufar e que usavam calças bocas-de-sino da Liberdade à Federação eram chamados de browns. "Lá vem os braus! "diziam.

O cantor foi hospitalizado com pneumonia e morreu na última segunda-feira em decorrência de um colapso cardíaco. Tinha também câncer de próstata. A reprercussão de seu falecimento faz jus ao seu legado de mais de 800 canções, sendo que 17 delas ocuparam os topos da parada. Tinha show marcado para o reveillon em Nova Iorque.Onde quer que se escute uma linha de baixo pulsante, uma guitarra gruvando em poucos acordes, com um naipe de metais apimentando as melodias e um grito do gueto valorizando a cor e a cultura, ecoa o berro suingado do velho James,que soube também, em meio a escaladas fenomenais, ter posicionamento político no campo musical, exortando os negros de seu país (inicialmente) a bater na caixa dos peito e cantar: Say it Loud! I,m black and I proud (Digaisso alto: sou negro e tenho orgulho) ou então assumir os prazeres mundanosdo escalde em letras como Stoned to the bone (doidão até os ossos).

Além disso a marca do seu som era o que os estudiosos chamam de síncope, ou seja, quando uma nota é executada em tempo fraco ou parte fraca de tempo e se prolonga ao tempo forte ou parte forte do tempo seguinte. Pode ser que suacabeça não entenda mas seus quadris saberão o que digo quando o DJ tocar Sex Machine (Get uppa!). Para muitos de minha geração (30 e poucos ) James Brown aparece através de um de seus hits I Feel Good, publicizada pelo filme Bom Dia, Vietnã ou então no filme Rocky II, quando aparecia cantando Livingin America. Teve duas bandas lendárias que o acompanharam: The Famous Flames desded 56, e, a partir de 1970, The JB´s, com Bootsy Collins(este,depois, entrou no Funkadelic e Parliament, de George Clinton) .

Apesar de ser um artista de soul, o cantor pertencia a uma geração de artistas da música americana que romperam as barreiras da música feita para os corôas e imprimiram uma nova marca no mercado: a a música para jovens, a exemplo de Chuck Berry, Little Richard, Fats e o próprio Elvis mas ,diferente destes , se segmentou entre os brothers de cor, que o tinham como referência. Teve discípulos, membros de sua banda que reproduziram sua influência como Lyn Collins, Maceo Parker, Bobby Bord, Bootsy Collins.Consuma-os e não te arrependerás!.
Pude conferir ao vivo e a cores a performance do Godfather of Soul na última semana de agosto de 2001, num lugar chamado The Ocean, que parecia um Rock in Rio Café triplicado. Isto aconteceu uma quinzena antes de Bin Laden providenciar a queda das torres. E digo: foi o melhor show da minha vida!Melhor que Os Stones. Em verdade, não era um show, era um ritual, uma celebração onde Sr Brown regia uma orquestra de funky: dois baixos, uma bateria, guitarra, naipe de metais, teclado, backing vocals e as dançarinas. Impossível parar quieto. Mas também tinha umas baladas de arrepiar o couro, muito boas para namorar. Tinha até armário com ficha para quem quisesse deixar jaquetas e afins.

Ao início, a banda sozinha tocava um tema instrumental enquanto um mestre de cerimônias perguntava num inglês cheio de gíria quem o maior trabalhador do show business? James Brown! a massa gritava. Quem é maior cantor vivo doplaneta?James Brown! Quem é o cantor de I Feel Good, Papa,s Got a brand Newbag , Sex Machine, Please, Please, Please? James Brown! James Brown! JamesBrown! berrava a platéia, inflando a egolatria do auto-entitulado senhor dinamite.Não mais que de repente ele apareceu e a platéia era, desde já, suaescrava. Gritaria da zorra e o cara com os dentes abertos e seu cabelo alisado pro lado. Virei o copo de uísque (Cold Turkey) que desceu com gelo e tudo.

A banda, ensaiadíssima, obedecia a cada gesto seu. O gogó, apesar dos 68 anosde então, estava em cima, embora ela não desse aquela escalada do tipo batero ovo no chão. Fora isso, os pés do cara formigavam. Fiquei a uns quatro metros do palco que não devia ter mais de 3 metros de altura. O suorescorria e ele cumpria seu sript, incluindo a clássica senha: Take me to thebridge (leve-me à ponte), que expelia, a cada vez que queria pular para aparte B de uma música. Sonzeira dos demônios, com um solo de sax. Deviam terumas 1000 pessoas no local .

Depois de uns 3 funkaços, vieram as baladas. Try-me ,a primeira delas.Alguns casais colaram rostos. E bocas. Na mesma vibração, ele veio com It´s a man´s world. Quando o palco virou púlpito e ele passa a perguntar aplatéia; Vocês conhece John Lennon? Yeahhhh! , respondiam. Martin LutherKing? Yeahhh! Marvin Gaye? Yeahhhh ! Janis Joplin? Yeahhhh... E o culto seguia. Na sua cadência de quem foi criado em brega mas canta na cartilha do gospel. Outro número do seu mise en cene se reproduzia diante dos meus olhos. A base da música segurísima, na cadência do blues e Brown se ajoelha.Como quem fraqueja. Seu assistente deposita a capa preta sobre suas costas.Menos de um minuto depois ele salta, fortalecido. A capa esvoaça e cai lá adiante. A música segue. O número acaba. Living in América vem na sequência.Não é das melhores mas quem se importa quando o "godfather" canta? RockyBalboa X Apollo Doutrinador...Quando parececia que os ânimos feneceriam, ele pergunta se alguém quer ouvir Janis Joplin? Diante da afirmativa, uma de suas vocalistas assume opimeiro plano e puxa a música mais funky do repertório jopliniano: Try (justa LIttle bit harder ). O baixão entra peidando na música e Brown vai tirar uma filipeta nos teclados e fazendo backing vocal. O show podia acabar ali, mas ele segue. Puxa I Feel Good e o povo vai ao delírio. Depois vem Superbad num dos seus muitos gritos, o tal lamento do porco aparece. Shouwzasso.Fora outras memórias que o quinto copo de uísque me surrupiaram. Para esquentar ainda mais o infermo, James Brown.

Discoteca básica:

Live at the Apollo - 1963

Cold Sweat - 1967

Mother Popcorn - 1969

The Payback - 1973

Hell - 1974