Cabeça motorizada
Por: Cláudio Moreira
Por: Cláudio Moreira
Abri corajosamente
caminho pelo gramado sintético já anteriormente vomitado em algum ponto pelo
escriba e fiquei lá na frente. Era chegada a hora do show que me levou para a
Cidade Maravilhosa: Motorhead. Me preparei para encerrar minha saga roqueira
como se fosse morrer naquela noite ou coisa que o valha. O que queria era dizer
para mim mesmo: nunca mais vou passar esse perrengue!!!! Como “puta velha” de
grandes shows que sou, já conhecia o cenário de afetações e arrebatações ao meu
redor. Respondi com um empurrão num mané punk de boutique que estava incomodando
me empurrando e levantei com doçura uma garota desmaiada. Sim, era a hora
esperada de ver pela terceira vez na minha vida Lemmy e cia justificarem minha
presença ali na zona oeste carioca rodeada de serra de Mata Atlântica, favelas,
condomínios e pistas de alta velocidade. Estava num estado de espírito em
sintonia comigo mesmo e abençoado pelos desuses da música. Nada podia me
atingir, pelo menos naquele metro quadrado. Lamentei a falta de meus amigos de
coração da Bahia que poderiam estar ali comigo (alô Cebola, Marcio e
Júnior!!!).
Lemmy Kilmister, Phil
Campbell e Mikkey Dee entraram no palco gigantesco sem artifícios cenográficos
e pegaram seus instrumentos para mais um dia (ops, já era noite!) de trabalho
mandando direto nos meus peitos “Iron Fist” seguida de “Stay Clean”. A partir
daí com o coração e mente impregnados do grito primal da música que sai da alma
vibrei feito um animal sem perder a ternura. No solo de bateria, olho para o
céu e agradeço toda força cósmica superior por ter conseguido me ajudar a
chegar ali (quase a viagem não rola por interferências de forças ocultas) na
beira do palco para me despedir em grande estilo do meu amado rock and roll. A
catarse estava instalada e quem estava ali ou tinha virado “irmão de fé” ou era
algum babaca fazendo pogo. Foi pouco mais de uma hora embalada pelos caminhos
musicais barulhentos belíssimos já conhecidos da trupe comandada por um senhor
inglês de mais de 60 anos. Antes da banda se despedir, já tinha gritado com a
voz embargada de emoção todos “rock and rol!!!l” “Lemmy!!!” e “Motorhead!!!”
que o “pé de ouvido” dos que estavam na minha frente poderiam ou não agüentar.
Quando a cabeça motorizada (não a minha, a banda mesmo!) foi embora, saí daquele turbilhão de mansinho, meio melancólico, feito criança com a alma lavada. Sinto uma onda interna me pegar e vomito novamente (será que estou doente?!), só que dessa vez nos pés calçados de algum jovem bem nascido. Alguém me segura, pergunta se estou passando bem e eu respondo que sim (ele nem imagina o quanto, apesar da aparência!). Mas registrei no coração que ainda rola alguma irmandade no rock. Sozinho, com discretas lágrimas nos olhos e em silêncio percebo o rito de passagem. Deixei bem ali na frente do palco toda energia que me restava daquele adolescente tímido que ouvia sozinho no quarto seus LPs de rock and roll. Sabia que o que viesse em diante naquela noite seriam bonus tracks.
Bebo uma água mineral
esgotado e me dirijo ao banheiro para recobrar as forças. Saio dali para
comprar uma camisa oficial do Motorhead para o filho da minha ex-mulher, me
sentindo passando o bastão para o capetinha. Quero guardar a camisa na loja
para não perder na bagaça. Meus olhos passam sinceridade e uma vendedora
carioquinha linda com aquele sotaque da Zona Sul foi com minha cara (“deixa
comigo baiano!”), pois segurou o produto num canto da loja para eu efetuar a
compra no fim do último show. Antes de ir, fico olhando a área vip e me lembro
sem saudades das mordomias dos meus tempos de jornalista cobrindo camarotes no
carnaval de Salvador. Lugar de dionisíacos é no gramado. E meu rock é
sagrado, mas não deixa de ser profano. Camarote é coisa de apolíneos.
O meu cartão de
débito me faz “existir” na meca de consumo do Rock in Rio 4 e pego mais
tíquetes de chopp (“to passando mal...!” de novo e sempre) na Rockstreet, onde
já me sinto em casa e já pressinto uma ponta de saudade do clima do local.
Resolvi ver o show do nu metal de máscara.
Verdade de alma – A
banda dos americanos de macacão vermelho e máscaras engraçadas nunca foi minha
praia, mas tomei uma surra dos rapazes. Cheguei a conversar com algumas pessoas
na Cidade do Rock como foi que o Motorhead tocou antes deles no festival.
Achava um desrespeito. O Slipknot fez um show sincero, arrebatador e
emocionante mesmo para um roqueiro de 40 anos. Comecei o show lá atrás e fui
fisgado pela sinceridade e catarse musical deles. No final, estava aplaudindo a
banda de coração. Tomei uma lição. Nunca falei mal da banda, mas era neutro em
relação ao grupo. Agora, já sei dos elogios que tenho guardado para eles na
ponta da língua. No intervalo, mergulho na Rockstreet em clima de despedida e
fui até a Tenda Eletrônica, que estava com umas modelos deliciosas em várias
plataformas futuristas hipnotizando a todos, que “babavam” (eu incluído,
claro!) sem piscar o olho. Muito lindo de ver todas aquelas modelos meio space
rock carnavalescas.
Metal Militia – O
Metallica sabia que a maioria do público foi ao Rock IN Rio 3 naquela noite
para assisti-lo e entraram no palco cuspindo fogo no palco depois de dois
excelentes shows do Motorhead e do Slipknot. Deram tudo repassando furiosamente
o repertório do meu álbum predileto deles (Ride the Lightning). Essa é uma
banda que conheci pelas mãos do amigo Marcos “Babau” Biondi nos idos 84/85 e
lhe sou eternamente grato. Dali até o final do show, foi uma pancada só,
entremeados com momentos de leveza pesada, que encerrou, sem dúvida nenhuma, a
melhor noite do festival mesmo antes do seu término. “Rastejei” como bípede
para pegar a camisa de Israel e depois até o ônibus, onde encontrei graças ao
divino maravilhoso meu amiguinho em estado de graça. Fui “carregado” para
dentro do ônibus, pois parecia que já estava nas últimas energias vitais da
minha existência. Quando pensava que iria descansar em paz, uma pra lá de
simpática capixaba inverteu os papéis da relação humana me obrigando com sua
doçura a ficar acordado até ela saltar na Tijuca. O dia 26 de setembro de 2011
ainda não tinha nascido, mas uma página definitiva do meu idealismo artístico tinha
sido virada para sempre.
Minha anunciada despedida como platéia do rock and roll começou em 2010 com o Rush e parece ter terminado nessa noite mágica de 25 de setembro de 2011. Mas, tudo muda quando acontece algo que toca a alma do velho roqueiro. Se o Black Sabbath e Van Halen fizerem tours de despedidas passando pelo Brasil, lá vou eu de novo para o túnel do tempo das minhas emoções vintage rock and roll renovadas pelo aqui e agora e pelo eterno desejo de não deixar de viver a vida. Obrigado Rio!!!!!!!!