Alma motorizada
Perdendo a noção na minha despedida da esbórnia rock and roll
Por: Claudio Moreira
Perdendo a noção na minha despedida da esbórnia rock and roll
Por: Claudio Moreira
Quando decidi ir ao Rock in Rio 4 passou pela minha mente as emoções da
minha passagem pelas edições anteriores de 1985, 1991 e 2001. Se, no primeiro,
eu era um roqueiro pueril de 15 anos emocionado por ver meus herois, no
segundo, eu queria era estender minha paixão pelo rock a uma boa dose de
esbórnia; no terceiro, tentava acender a velha chama do bom e velho rock and
roll, mas me esbarrei num anticlímax devido à aura plastificada da edição.
Dessa vez, é diversão (apenas no segundo, morava na Cidade Maravilhosa).
Buscando o resto da minha energia vital fui de mala e cuia para as terras
cariocas, não sem antes garantir um ônibus de primeira classe para chegar e
voltar da Barra da Tijuca (aos 42 anos resolvi encarar a empreitada como uma
despedida existencial dessa entrega de se jogar na estrada sedento por
música.No primeiro, a aventura de ônibus foi uma atração existencial à parte
para um adolescente solitário, mas agora eu queria mesmo era conforto). Na
companhia de um novo amiguinho pianista de 19 anos, cheguei na fila do RioCard
todo excitado em fruir aquele dia de rock and roll ao meu jeito, sob minha
ótica de roqueiro nosferatu anti-colonizado.No caminho, já passava e revisava
com meu novo companheiro a primeira formação do Deep Purple e contava história
de Raul Seixas e do rock baiano só para saciar a curiosidade do rapaz e marcava
ponto de encontro dentro da cidade do rock (sabia que iria me perder dele, pois
eu estava responsável por levá-lo, mas sabia que era ele quem iria me trazer de
volta devido ao meu previsível estado de bagaço, que seria certo como o “we are
motorhead, we play rock and roll!!!” de Lemmy no início do show do Motorhead)
Na fila, faço camaradagem com três cariocas homônimos e nos enturmamos
até a Cidade do Rock e não deixo sempre inesperadamente de surpreendê-los gritando
o nome deles para que os três se virassem ao mesmo tempo sem saber exatamente
com quais dos três eu queria falar mesmo, num clima de gargalhada generalizada
no “buzu” de luxo. Na Barra da Tijuca, evangélicos seguravam faixas dizendo que
um mundo melhor só é possível sem droga. Bela mensagem, sem dúvida, mas
esqueceram que citar que droga mesmo era grande parte da programação do
festival. Reclamações gerais dos metaleiros dizendo que queriam mesmo era irem
para o inferno. Senti o clima de amantes de RPG no ar e sorri ao lembrar que
estava com uma camisa branca do Motorhead (ainda bem, pois detesto ser
confundido com nerd, ainda mais os de linhagem “from hell”!)
Ao chegar Cidade do Rock parti direto para o abraço com os vendedores de
latinhas (sempre com minha senha ‘to passando mal, uma cerveja urgente!’) e o
consumo acelerou em doses para lá de speed metal. Todos na fila imensa se
divertiam com os vôos rasantes do helicóptero da PM atenta ao menor sinal de
arrastão que não rolou, passagem de carros da Polícia Federal e o escambau (mas
não vi sinal de cães farejadores). Sotaques de todo Brasil garantiam a babel da
irmandade roqueira que estava num vem para lá e para cá. Quase fomos brindados
com um strip de uma moça nos ombros do namorado, mas ela amarelou. Recebi uma
educada chamada de atenção da polícia carioca por ter urinado no mato (no que
falei educadamente que eu era um ser da mata mesmo, quase um saci pererê!) e a
simpática presença de pessoal da comunidade vizinha me lembrou que estávamos no
“Rio de ‘Janeura’”. Entro na Disneylândia do Rock dos meninos de palyground sem
saber o que me esperava. Nos primeiros passos, recebo a resposta espiritual
enviesada à minha dúvida existencial com uma inesperada vomitada básica na
grama artificial de Medina (será que o almoço me fez mal?!) para susto do meu
pupilo, me olhando com olhos arregalados e segurando um generoso copo de água
mineral (“qual é primeira formação do Deep Purple? Bom menino, já
aprendeu mesmo!”). Não perco muito tempo explicando minha imunidade diplomática
em se tratando de boemia para o garoto e abordo um ambulante que vendia chopp
com um tipo de engenhoca com mangueira, antes de me refazer do susto dos R$6,50
cobrados pelo copo de 300 ml. Tentei convencê-lo sem sucesso a me acompanhar para
me servir até zerar o galão. A essa altura, o colega de rock já me chamava de
guru e eu alertava o “fantasminha camarada” (na serra fluminense não se
pega sol, não?!) para a rima em voga na Bahia...
O Palco Sunset era um flashback indisgeto na minha cabeça. Matanza com
seu ogro ruivo à frente nunca foi nenhum Motorhead brasileiro para mim e
continuei bocejando até o velhos bangers do Korsuz (exceção apenas a canja do
guitarrista dos Dead Kennedys) terminarem o show e eu perceber que todos
caminhos levavam à Jazz Street sob a resistência de meu pupilo, que conseguiu
encontrar um amigo dele. Foi a deixa para dar uma esticada (ops!) ao banheiro e
encontrar emocionado numa esquina um velho
chapa dos tempos de Rio. Fomos direto para a Rockstreet ver o show no
coreto de uma dupla de pianistas americanos e mais um baixista brasileiro
arregaçando com lista de clássicos de rock, blues e muito boogie woogie. Um
barato atemporal realmente transgressor. Depois, horas depois, encontrei os
americanos e os abracei elogiando suas performances. O mais velho tinha 80 anos
e o povo puxou o coro (“viagra, viagra, viagra!!!”) e ele dançou possesso pelo
palco. Mais rock and roll que qualquer banda de emo e de metal juntas.
Depois, no mesmo coreto, foi a hora e a vez do guitarrista argentino
naturalizado brasileiro Victor BIglione (que tocou no A Cor do Som no
lugar de Armandinho).Aí o bicho pegou mesmo com a cerveja alcançando
temperaturas nórdicas e o clima esquentando. O cara debulhou num repertório
jazz rock violento botando a platéia na mão com direito a final com cover de
Miles Davis e guitarra com distorção para a platéia (peguei nela inclusive
fazendo aquele grim!!!!!). Showzaço com direito a vários “uhus!!!” puxados pela
massa iniciados por mim. Respirei fundo, aspirando liberdade, e encarei a fila
de chopp para me abastecer falando pelos cotovelos. Me enturmei com um pessoal
do Rio Grande do Sul “bah tchê!” e consegui passar o tempo na fila numa nice
para comprar 10 fichas. Uso novamente a senha de “tem um cara passando mal,
urgente, me dá um chopp aí!!!” para conseguir todas as vezes agilizar meu
atendimento. Sacolejando pela minha querida Rockstreet que mais parecia uma
passarela de gatas de todas idade e senso de moralidade variados me perco entre
olhares, sorrisos e meus gritos de “Allman Brothers!!! Rush!!! e outros
dinossauros para cada camisa de banda do meu coração que passasse por mim (teve
uma menina com uma do Thin Lizzy, que jurou que gostava de Phil Lynott e sua
turma antes do Metallica regravar “Whiskey in the jar” e eu, claro, que estava
mais do que disposto a acreditar em tudo que ela falasse). Fiquei jogando
conversa fora (ou seria dentro?!) com a turminha dela quando recuperei o fôlego
em mais uma ida ao banheiro para dar de cara num bar com um grupo meio família
“Do,ré, mi” tocando e cantando classic rock. Fui para frente e puxei a massa
com urros de uhu! (resultado, eles falaram que foram chamados para se
apresentar no coreto nos outros dias do festiva e tiraram fotos da platéia
recém conquistada). Num lado, um bardo solitário puxava no violão e gaita um
repertório digno recheado de Neil Young, Pink Floyd e o escamabau. Num clima de
confraternização (ou será que era só eu que estava assim?!) fiz meu sinal de
dedinho empenado junto a um cara todo pintado de ouro se fazendo de múmia para
arrancar aplausos gerais e um sorriso de canto de boca do “paralisadão” (a essa
altura as fichas de chopp terminavam e eu achava animadinho que os aplausos
eram todos para mim mesmo!).
Recuperando um pouco a noção e segurando a onda, lembrei que estava ali pelo rock pesado e resolvi dar um pulo no Palco Principal e no Sunset (não necessariamente nessa ordem) só para rejeitar os riffs do Angra, Sepultura, Gloria e Coheed and Cambria. Depois de tentar, frustado, achar o amiguinho no ponto de encontro, voltei para os braços de minha já íntima Rockstreet, onde o ambiente cultural era dos melhores e a esbórnia estava instalada em clima de carnaval rock and geral (nesse momento já me abraçava sabe deus lá com quem, tirava fotos com yyz e participava de rodas de conversas nonsense desse e de outros mundos beirando a comunicação tribal e a Física Quântica). Vejo uma bandeira da Argentina e gritei “Viva Pappo!”, encostei, bati um papo com os hermanos e depois mudei de ares porque tinha um compromisso com o Godfather.
Recuperando um pouco a noção e segurando a onda, lembrei que estava ali pelo rock pesado e resolvi dar um pulo no Palco Principal e no Sunset (não necessariamente nessa ordem) só para rejeitar os riffs do Angra, Sepultura, Gloria e Coheed and Cambria. Depois de tentar, frustado, achar o amiguinho no ponto de encontro, voltei para os braços de minha já íntima Rockstreet, onde o ambiente cultural era dos melhores e a esbórnia estava instalada em clima de carnaval rock and geral (nesse momento já me abraçava sabe deus lá com quem, tirava fotos com yyz e participava de rodas de conversas nonsense desse e de outros mundos beirando a comunicação tribal e a Física Quântica). Vejo uma bandeira da Argentina e gritei “Viva Pappo!”, encostei, bati um papo com os hermanos e depois mudei de ares porque tinha um compromisso com o Godfather.
2 comments:
Parabens Claudio. Muito bem escrito o relato, quase que deu vontade de estar lá, mas como sou mais veterano ainda não sei se aguento mais uma maratona dessas .Certamente esta foi a unica noite que o RiR fez jus ao nome do festival.
Gonzo Esc man, seu texto é de chorar!!! Tanto de rir quanto de emocionante mesmo, um relato igual, fora do esquema jornalístico oficial, creio não haverá em canto nenhum!
Que vontade de estar lá, cara, mesmo te conhecendo há tanto tempo, talvez eu ainda ficasse apavorado com o que iria presenciar vindo de você, mas depois de ler seu texto, acho que valeria a pena correr esse risco!
Seria um grand finale de festivais pra mim também...
Não posso deixar de confesar um pouquinho de inveja por esse seu momento de ouro, que será lembrado a vida toda...
Cláudio Rules!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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